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Foto: Marcello Casal Jr, Agência Brasil

No mercado financeiro e tecnológico do Brasil, um embate de proporções globais está em andamento. De um lado, o Banco Central, criador e operador do Pix, aclamado por revolucionar os pagamentos no país. Do outro, as gigantes de tecnologia americanas, conhecidas como Big Techs, que, por meio de associações como a CCIA, CTA e ITI, acusam a autoridade monetária brasileira de atuar em “concorrência desleal”. Essa disputa não é apenas sobre o Pix, mas sobre o futuro da regulamentação e do controle sobre os pagamentos e o mercado digital como um todo.

O cerne da reclamação das empresas, que incluem nomes como Apple, Google, Microsoft, Meta e Amazon, reside no papel ambíguo, em sua visão, do Banco Central. Elas argumentam que o Banco Central atua simultaneamente como regulador e como operador de um sistema, o Pix, que compete diretamente com as soluções de pagamento que elas mesmas poderiam desenvolver e oferecer no Brasil. Para as Big Techs, essa dupla função cria um desequilíbrio, já que o regulador estaria favorecendo sua própria criação em detrimento dos competidores privados. Essa queixa levanta um ponto crucial sobre o que se espera de uma autoridade governamental em um mercado tão dinâmico e inovador.

No entanto, essa perspectiva é veementemente contestada por especialistas e pelo próprio governo brasileiro. Segundo a visão de especialistas em direito concorrencial, o Pix não é um produto que compete com as empresas, mas sim uma infraestrutura pública. Ricardo Botelho, especialista em direito concorrencial, defende essa tese, afirmando que “o Pix não é um concorrente. Ele é uma infraestrutura aberta e gratuita que permite aos agentes concorrerem”. Essa é a principal diferença de concepção: enquanto as Big Techs veem o Pix como um rival comercial, o Banco Central o enxerga como uma plataforma básica, um serviço público que nivela o campo de jogo para todas as instituições financeiras. O objetivo, desde a sua criação, foi modernizar o sistema de pagamentos, promover a inclusão financeira e reduzir os custos de transações para a população.

A ascensão meteórica do Pix comprova o sucesso dessa estratégia. Em poucos anos, o sistema se tornou o método de pagamento mais utilizado pelos brasileiros, superando transferências tradicionais e até mesmo o dinheiro em espécie em muitas situações. Sua gratuidade e instantaneidade democratizaram o acesso a serviços financeiros, permitindo que milhões de pessoas sem conta bancária pudessem participar da economia digital. É justamente esse sucesso estrondoso que incomoda as gigantes, que veem um potencial mercado sendo dominado por uma solução pública e gratuita.

A disputa vai além dos pagamentos e se insere em um contexto mais amplo de tensão regulatória. As Big Techs também demonstram preocupação com outras ações do governo brasileiro. Elas mencionam o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a responsabilidade de plataformas por conteúdo ilegal, a decisão da Anatel que amplia a responsabilidade dos marketplaces por produtos de terceiros e o projeto de lei que tramita no Congresso sobre inteligência artificial. Para as empresas, essa série de medidas sinaliza um aumento na regulamentação que poderia criar barreiras de entrada, elevar custos e limitar a oferta de serviços para os consumidores brasileiros. O governo, em resposta a essas alegações, tem reforçado que suas políticas não são discriminatórias e visam apenas garantir um ambiente justo, seguro e soberano para a economia digital. A batalha pelo futuro dos pagamentos e da tecnologia no Brasil está apenas começando, e o resultado pode redefinir as regras para todos os participantes do mercado.

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